
«Vamos ao cinema!» Deixámos a Maria Rita at granpa’s home e, para fugir à confusão ruidosa dos pipoquistas, siga até ao Londres. «O Segredo de Brokeback Mountain ou Match Point?» Apesar de fãs de Woody Allen, escolhemos Ang Lee. Capuccino maravilha no Magnólia e allez para as cadeiras brutais da sala de projecção, estilo ficção científica enquanto descem lentamente até à posição final.


Apagam-se as luzes, o ecrã abre-se numa imensa paisagem do Wyoming ao final de tarde. Os acordes perfeitos, lentos, simples, da guitarra de Gustavo Santaolalla concedem-lhe um toque de beleza subtil. Os silêncios, o esplendor e grandiosidade das paisagens, o isolamento, os diálogos, os silêncios outra vez, os acordes de Santaolalla novamente, tudo flui na velocidade certa, com a fotografia certa (parece mesmo que estamos nos anos 60 numa qualquer cidade norte-americana do interior onde os cowboys continuam a ser reis e senhores), tudo avança no ritmo certo, prendendo-nos, e agora falo por mim, como há muito não me acontecia numa sala de cinema.

Depois, depois há as actuações de Heath Ledger e de Jack Gyllenhaal, respectivamente Ennis del Mar e Jack Twist, dois homens diferentes, ambos rudes à sua maneira, ambos solitários e algo tristes, ambos com projectos de casamento, de constituição de família (o que acaba por acontecer), mas que, na sequência de uma rápida mas forte amizade, acabam por apaixonar-se na montanha de Brokeback, dando início a uma relação proibida e escondida durante mais de 20 anos, clara prova de que o Amor é mesmo uma força da natureza, como refere o slogan do filme. Dois actores, sobretudo Ledger (fantástico, de ir às lágrimas), que, com este filme, entram directamente na história do cinema.

Esqueçam aqueles que esperam assistir a um filme gay ou sobre gays. É certo que a primeira cena de sexo entre os dois é de um desconforto incrível, não por qualquer tipo de preconceito, mas porque Ang Lee consegue colocar-nos de forma impressionante no interior daquela tenda no meio da montanha, quase como intrusos numa cena de amor à qual não pertencemos, mas este realizador vai mais longe, muito mais longe. Faz-nos estar ao lado das personagens, faz-nos torcer pelo amor delas, prende-nos, suspende-nos a respiração, provoca-nos súbitas acelerações de ritmo cardíaco, numa tempestade de emoções que culminará, certamente, em muitas lágrimas na cena final do filme. «Jack, i swear you...», diz Ennis. O ecrã fecha-se, de novo, na mesma imensa paisagem do Wyoming ao final de tarde, ao som dos acordes perfeitos, lentos, simples, da guitarra de Gustavo Santaolalla, ao som dos silêncios, do esplendor e grandiosidade das paisagens, do isolamento... Apagam-se as luzes.

Impossível não estar triste, não sentir um estranho aperto no estômago, uma angústia terrível, nada aconselhável em dias cinzentos, em horas menos positivas. Ang Lee faz-nos pensar. Na vida, na incessante procura dos nossos sonhos, na arrebatadora força do amor. E, por isso, já venceu, já ganhou um lugar entre os grandes.De quem fez o Tigre e o Dragão (com mestria única, registe-se), esperava-se tudo menos um Brokeback Mountain, uma obra-prima que ressuscita, e isto foi o que achei mais curioso, o registo do melodrama que havia caído em desuso durante os anos 90.

Saio da sala escura do Londres. A tempestade brutal que se abatera sobre Lisboa durante o intervalo parece ter acalmado. A pedido da menina que me acompanhava, ligo para casa dos papis Pim a saber da Maria Rita. «Tudo bem, está a dormir. Olha, o Benfica perdeu e o Sporting está a ganhar 1-0 ao intervalo. Viste a ventania e a chuvada, filho?» Regresso lento à vida real, ao nosso mundo, depois desta longa (pareceu tão longa) jornada à montanha de Brokeback.Havia muito mais para escrever sobre este filme, mas estaria a estragar o prazer de quem ainda não viu... Por isso, se puderem, não percam!